Inacreditável
Fiscalização resgata trabalhadores em condição análoga à escravidão
Ação identificou exploração de pessoas em propriedades rurais de Jaguarão e Santa Vitória do Palmar
Divulgação -
A Polícia Federal e o Ministério do Trabalho resgataram nos últimos dias, na Zona Sul, pelo menos quatro pessoas que eram mantidas em condições degradantes de trabalho em duas propriedades rurais. Na quinta-feira (9), em Jaguarão, a ação conjunta identificou dois homens que atuavam no corte de árvores no interior, enquanto em Santa Vitória do Palmar, no começo da semana, um idoso e um menor de idade foram libertados da exploração.
O resgate destas pessoas chama a atenção para um problema que, até então, ficava nas sombras na Zona Sul. De acordo com o escritório regional da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Fetar Sul), mal a estrutura se instalou na região, há dois meses, e as denúncias começaram a chegar. Neste período foram pelo menos dez notificações por mês.
“Com casos ocorrendo com maior frequência, passamos a cobrar uma ação fiscalizadora maior”, explica o coordenador da Fetar Sul e vereador de Arroio Grande, João Cézar Larrosa (PT). Uma força-tarefa montada pelo Ministério do Trabalho e Previdência monitora as denúncias em propriedades e conta com apoio da Polícia Federal e o acompanhamento da Fetar Sul. Ele observa que a situação é mais grave por ser o trabalho assalariado rural coletivo. Ou seja, a denúncia quase nunca é de exploração individual, o que pode multiplicar o número de pessoas e familiares nessas condições. Larrosa cita como exemplo comum um casal em que só o homem recebe para trabalhar na propriedade, enquanto a mulher fica incumbida dos deveres da casa e da cozinha para os trabalhadores, sem receber pelo serviço. “Cerca de 75% das denúncias se referem ao não cumprimento das leis básicas trabalhistas como o acordado sobre o legislado, horas extras, habitação e transporte”, relata.
Sem saneamento
Na ação conjunta realizada em Jaguarão, basta olhar para a geladeira e a cama do alojamento em que dois homens que trabalhavam no corte de árvores no interior do município foram encontrados para entender a situação a que eram submetidos. Ambos ficavam no prédio de uma antiga escola pública, próxima à propriedade em que prestavam serviço. O local não conta com saneamento básico e havia apenas uma ligação clandestina de luz.
“Nós não proibimos a atividade, só pedimos aos empregadores que ofereçam condições básicas aos funcionários. Não há como imaginar que em dia frio não se tenha água quente para um banho, ou que a pessoa durma quase no chão, dividindo o ambiente com animais”, pontua o chefe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência na região, João Moreira.
Conforme a ocorrência registrada pela polícia, os dois trabalhadores também eram mantidos na informalidade pelo empregador, que não se encontrava na propriedade. Na sexta, ao prestar depoimento na Polícia Federal, teria alegado desconhecer a situação dos empregados. A investigação do caso será mantida e vai apurar a possível prática do crime de redução à condição análoga a de escravo, com pena prevista de dois a oito anos de reclusão em caso de condenação.
Doze anos de escravidão
Dias antes da ação em Jaguarão, um homem de 70 anos foi localizado com ferimentos nas pernas e sinais de desnutrição em uma propriedade rural em Santa Vitória do Palmar. Segundo os agentes da PF, auditores fiscais do trabalho e uma equipe da Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) que participaram da operação, o idoso estaria sendo mantido no alojamento há pelo menos 12 anos, sem receber salários e em condições sanitárias precárias. “Ele urinava em uma balde que ficava ao lado da cama”, conta Moreira.
Na mesma fiscalização, um menor de idade também foi resgatado, já que a atividade rural, por ser de alto risco, é proibida a menores de 18 anos. O adolescente estaria trabalhando pela quantia de apenas R$ 300 por mês e alimentação. Outros funcionários da propriedade, responsáveis pela manutenção de currais, também foram identificados como em condições precárias de trabalho. O local onde dormiam era um galpão e, segundo os fiscalizadores, os colchões disponibilizados estavam em péssima condições.
Drama Brasil afora
Pelo entendimento da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), casos assim são frequentes no nordeste do Brasil, e o fato de ocorrem em zona de mata do interior do Rio Grande do Sul surpreendeu o presidente da entidade, Gabriel Bezerra dos Santos, que veio a Pelotas participar de uma averiguação de denúncia na cidade.
Para o coordenador regional da Fetar Sul, a maioria dos trabalhadores neste tipo de condição de exploração sequer cursou o Ensino Médio e, por vezes, acabam considerando a situação é normal. “Na falta de entendimento, as informações são distorcidas e esses trabalhadores são convencidos que após a reforma trabalhista não há mais sindicato, que não há Justiça do Trabalho e, por isso, não têm como denunciar”, diz João Cézar Larrosa.
Como denunciar trabalho escravo e outras irregularidades
Fetar RS
Telefone: (53) 3281-1731
Endereço: Voluntários da Pátria, 1.297 - Pelotas
Ministério Público do Trabalho
Telefone: (53) 3260-2950
Ministério do Trabalho e Previdência
Telefone: (53) 3229-1121
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